“ (...) Era isso mesmo o que acontecia comigo: também eu era absolutamente incompetente em matérias ligadas à produção industrial. Encontrava-me totalmente integrado na era da informação, portanto não sabia nada de nada. Tal como eu, Valérie e Jean-Yves eram apenas simples utilizadores de capitais e de informação: no caso deles faziam-no de uma maneira inteligente e competitiva, ao passo que, para mim, as coisas eram mais burocráticas e rotineiras. Mas nenhum de nós os três, ou alguma pessoa que eu conhecesse, seria capaz, por exemplo em caso de bloqueio económico, de participar no arranque de uma nova fase de produção industrial. Nenhum de nós tinha a mais pálida ideia sobre fundição de metais, fabrico de peças, síntese de matérias plásticas, etc. Já para não falar de coisas mais recentes, como fibras ópticas e microprocessadores. Vivíamos num mundo formado por objectos cujo fabrico e manutenção nos eram inteiramente estranhos. Angustiado ao tomar consciência disso, olhei as coisas em volta: mala, óculos de sol, creme solar, livro de Milan Kundera. Papel, vidro e algodão: tudo dependente de máquinas sofisticadas e de complexos métodos de fabrico. O fato de banho de Valérie, por exemplo, era algo cuja feitura eu seria incapaz de compreender: na sua composição, havia 80 por cento de látex e 20 por cento de poliuretano. Passei dois dedos pelo soutien: por baixo do emaranhado de fibras industriais, senti a sua carne jovem. Introduzi os dedos com mais força e percebi que o mamilo estava mais duro. Aí estava uma coisa que eu podia fazer, que eu sabia fazer.”
Michel Houellebecq
in "Plataforma", Bertrand Editora, 2002.
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Mundo Complexo
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