segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Casa quê? CasaPound...

…todo um outro mundo

“Fazer cultura na CasaPound? É como ser o nutricionista do Homer Simpson”.

A piada, sem dúvida com graça, chegou-me de um velho amigo meu, que tomou conhecimento - também ele - desta arcana organização que ganhou as primeiras páginas dos jornais graças à geométrica potência de fogo mediático assinada centros sociais/redacções dos jornais.

Então é isso? Esta foi a imagem que passou? Algo entre os Cesaroni [título de uma comédia televisiva italiana que retrata uma família típica romana de apelido “Cesaroni”], os nazis do Illinois [expressão usada na Direita Radical romana para indicar os neonazis broncos, estúpidos e folclóricos, como os KKK do Illinois] e os droogs de Laranja Mecânica? Pacóvios [“Coatti” é um calão romano que indica os rapazes idiotas, exagerados no querer sobressair, confusionistas] sempre prontos a dar porrada por nada, alheios a qualquer estímulo de natureza cultural e artística?

Felizmente esta imagem aterradora não é unânime nem monolítica. Todavia a mensagem falsificada foi lançada e parece ter ganho raízes algures. A equipa é forte, brilhante, cheia de jovens promissores, fora-de-série afirmados e velhas glórias que se põem a disposição. Porém, alguns gostavam que esta equipa permanecesse sempre na segunda divisão. E qual instrumento mais eficaz do velho “difamem, difamem, algo ficará”?

Mas a verdade é sempre revolucionária.

Mas qual é a verdade acerca de CasaPound (e acerca do Blocco Studentesco que é a sua emanação directa)?

A verdade, para começar, é que CasaPound não faz cultura. É cultura. A cultura acolhe-te mal entras, nos coloridos e inumeráveis nomes dos pais fundadores, escritos logo no começo da ocupação na entrada do edifício. Cultura não no sentido académico e reumático dos eruditos que disputam entre si ostentando um ego hipertrofiado apesar de minúsculo. Em CasaPound a cultura respira-se em todas as coisas porque em qualquer lugar há vontade de “cultivar-se”. De melhorar. De ascender. Há cultura porque há curiosidade, vontade de saber mais. Porque ninguém fica satisfeito. Porque se procura algo diferente. Porque se cria algo diferente.

Mais concretamente, tudo isso traduz-se em mais de cinquenta conferências realizadas em apenas quatro anos. Nelas tomaram a palavra, entre outros, Pietrangelo Buttafuoco, Massimo Fini, Angelo Mellone, Nicola Rao, Giano Accame, Luciano Lanna, Filippo Rossi, Ugo Maria Tassinari, Sandro Provvisionato, Luca Telese, Giacinto Auriti, Andrea Benzi, Miro Renzaglia, Caterina Ricciardi, Luca Gallesi, Sandro Giovannini, Giovanni Damiano, Maurizio Murelli, Enzo Cipriano, Aldo di Lello, Maurizio Pio Rocchi, Carlo Gambescia, Alberto Castelvecchi, Guido Giraudo, Jack Marchal, Gerardo Picardo, Giuseppe Ardica e muitos outros.

Falou-se de: emergência habitacional, 11 de Setembro, Ezra Pound, índios da América, Julius Evola, medicinas alternativas, anos de chumbo, revisionismo histórico, Filippo Corridoni, novas tecnologias, arte não conforme, massacre de Bolonha, mondo ultras, geopolítica, sociedade dos consumos, teorias monetárias alternativas, evolucionismo, massacre de Ustica, futuro da democracia, arquitectura, trabalho, alpinismo, e muito mais.

Um lugar activo, de facto. Um lugar aberto. Onde se discute à luz do sol. Onde passaram nomes importantes do pensamento não conforme, da direita institucional, da esquerda não obtusamente blindada atrás do antifascismo ortodoxo. CasaPound não tem nada a ver com uma cave húmida, na penumbra, onde se conspira em voz baixa, onde se actua na sombra, onde se foge do mundo. O que espanta é aliás o carácter solar do lugar. A cor, a música. De facto, estes dois últimos são elementos omnipresentes. Não há lugar da “área não conforme” em que não haja pinturas, murais, sinais de vida, de sonhos, de esperanças, manchas de cor que dão novamente vida ao que foi subtraído aos senhores da morte. E música, muita música. Os monstros sagrados da música de “área”, sem dúvida (in primis ça va sans dire, Zetazeroalfa), mas também Motorhead, Dropkick Murphys, Social Distortion, Ac/Dc. It’s only rock‘n roll, baby.

E no meio, sobretudo, debaixo disso tudo, um movimentar-se frenético mas ordenado de rapazes e raparigas. Muitas vezes muito novos, sempre sorridentes, cada um com um encargo, cada um no lugar certo. A idade média dos militantes é de 20 anos, quem tem 35 já faz de mestre sábio, se és mais velho és um marciano. No distrito de Roma, o Blocco Studentesco ganhou algo como 37.000 votos. Podes encontrar as caras destes jovens militantes na praça, nas escolas, a frente das câmaras de televisão. Se vais ao pub, também aí os encontras, atrás da máquina da cerveja, sempre os mesmos, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Muitas vezes com uma humildade invulgar para os seus coetâneos, põem-te perguntas, mas dos olhares deles já sabes que inevitavelmente receberás muito mais do que aquilo que foste capaz de oferecer. São as pessoas que querias ter como filhos, como irmãos, como camaradas de luta e de vida. São os mesmos que encontras marcados nos vídeos dos bófias milicianos [“di complemento” é a patente militar dos que não são de carreira, mas em serviço temporário, género “alferes milicianos”. Aqui indica os comunas e os jornalistas que fazem trabalho de bófia denunciando e identificando os rapazes do Blocco], expostos ao desprezo público por não ter querido ceder a praça às máfias vermelhas e aos carrascos do pensamento único.

Mas ainda não acabou. CasaPound é o “Teatro não conforme Filippo Tommaso Marinetti”. É livrarias: “Testa di Ferro”, “Santabarbara”, “Spazio Lacerba”, para mencionar só os primeiros nomes que vêm à mente. É cervejaria, círculos de tempo livre, pub (ah, mais cedo ou mais tarde terei que escrever acerca da metafísica do Cutty Sark…). É Radio Bandiera Nera, uma rádio on-line 24 horas por dia, com redacções nas cidades de Arezzo, Bari, Bergamo, Bologna, Bolzano, Brescia, Cagliari, Firenze, Genova, L’Aquila, Lamezia, Latina, Lucca, Milano, Napoli, Padova, Palermo, Piacenza, Roma, Salerno, La Spezia, Torino, Trieste, Verbania, Verona, na região Umbria, na Valle Seriana e ainda na Grécia, Holanda, Canadá, França e até… China.

E mais a batalha para o mútuo social e contra a emergência habitacional.
E mais as famílias italianas às quais é oferecido um lar em condições dignas e decorosas.
E mais a ajuda à Comunidade “Popoli”, empenhada na Birmânia ao lado do povo Karen e contra os narcotraficantes locais.
E mais a distribuição gratuita de pão e leite às famílias em dificuldade.
E mais as doações de sangue.
E mais a angariação de fundos para hospitais e organizações humanitárias.

E mais…

E mais?

Diz: “Não te esqueceste de nada? Não pintaste um quadro demasiado cor-de-rosa? E a violência?”. É verdade, questão chata a violência. Aquela exercida contra um povo privado de si mesmo. Aquela dos bancos, dos usurários, dos especuladores imobiliários. Aquela dos que te despojam da casa, da saúde, da dignidade, aquela das periferias multirracistas, onde a polis morre cada dia nos guetoficadores [ghettifici em italiano é uma palavra inventada que quer dizer “fabricador de guetos”] construídos para perpetuar o feio. Aquela aborrecida dos filhos mimados, gordos, deprimidos de um mundo que não tem mais nada para ensinar. Aquelas das máfias que construíram e subvencionaram a República. Aquela dos bombardeamentos terapêuticos, dos massacres humanitários, dos embargos democráticos. É para justificar esta eterna culpa que se instrumentalizam meros factos de crónica, que se inverte a responsabilidade de agressores e agredidos, que se deturpam os factos, disparando contra o alvo mais simples: porque jovem, sem protectores, porque desligado dos centros do poder. Porque belo, livre, rebelde. Tanto que causa inveja.

Adriano Scianca
in "Il Fondo Magazine", edição de 17 de Novembro de 2008.

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