domingo, 15 de novembro de 2009

Entrevista com a "Comunità Solidarista Popoli"

Entrevista com Franco Nerozzi, correspondente de guerra e fundador da "Comunità Solidarista Popoli", regressado há pouco tempo da Birmânia.

Primeiro que tudo, pode falar-nos da Birmânia, país complexo e perigoso, e em especial do povo Karen?
A Birmânia é um país perigoso, sobretudo para os seus habitantes. Não falo dos birmaneses mas da outra metade da população, pertencente a diferentes etnias, que deseja obter uma certa autonomia em relação ao poder central. São povos verdadeiramente diferentes uns dos outros que foram forçados e reunidos numa colónia britância e que, desde a descolonização, aguardam a sua independência. Entre essas populações, encontra-se o povo Karen, principal minoria em número e importância. O tratado que deveria garantir a sua liberdade não é respeitado pelo governo birmanês. Desde então teve lugar uma guerra pela sobrevivência desse antigo povo cuja história remonta há 2700 anos.

Fale-nos da sua viagem e da missão que agora cumprida.
Cada missão em território Karen deixa-nos com um sentimento misto de alegria e tristeza. Foi este o caso. No fim desta missão, não podemos deixar de concluir que os nossos amigos Karen merecem todo o nosso apoio para continuar a sua luta pela liberdade. Eles são pobres, mal nutridos e mal armados. Apesar disso, sempre recusaram cair no tráfego de droga. Há por isso uma alegria em reencontrar esse povo que vive na simplicidade. Isso dá-nos uma lição de ética. Há também a tristeza de ver que nada é feito para ajudar estas centenas de milhares pessoas que se escondem na selva para fugir à repressão de Rangoon. A atenção internacional é dedicada unicamente às promessas de democracia ou ao caso de Aung San Suu Kyi. A luta das etnias não interessa a ninguém.


Como se passam as actividades militares, para-militares e sanitárias no território?
Nos últimos anos assistimos ao avanço progressivo das tropas birmaneses e dos seus cães de guarda, as milícias da DKBA [Karens colaboracionistas]. Dezenas e dezenas de aldeias foram atacadas, incendiadas ou ocupadas pelos soldados. Tudo isto foi acompanhado de violência e violações. Mais do que operações militares, podem classificar-se como actos de banditismo. O exército Karen adoptou uma táctica de guerrilha, abandonando pouco a pouco o terreno para tentar preservar os homens. Incomodam o exército birmanês através de operações rápidas e desaparecem novamente na selva. Essa táctica teve bons resultados. Nos últimos meses, a relação entre os mortos do exército Karen e dos seus adversários é de 1 para 60, a favor dos insurgentes. As nossas actividades sofreram com essa tensão constante. As zonas onde funcionavam as nossas clínicas encontram-se agora em mãos birmanesas. As nossas equipas são agora móveis e seguem os Karens com o seu material e medicamentos. Podem assim cuidar das populações que encontram pelo caminho. Uma clínica trabalha ainda em pleno na zona de Mutraw, mas encontra-se muito perto da zona birmanesa. Não sei até quanto continuará a funcionar.

Quais são as necessidades da população? Como é possível ajudar?
A recente ofensiva do exército birmanês provocou o êxodo de cerca de 7 000 pessoas que se juntaram às 500 000 que já foram forçadas a abandonar as suas aldeias. Essas gentes refugiaram-se provisoriamente sob a protecção dos guerrilheiros. Vivem em campos com cobertas de plástico em jeito de tecto, para se poderem proteger da abundante precipitação, e sofrem de má nutrição. A verdadeira urgência é por isso comprar arroz, óleo e sal. A "Comunità Solidarista Popoli" e a associação "L'Uomo Libero" procuram neste momento recolher fundos suficientes para acudir a essa grave situação. Alimentar alguém por um mês, nestas condições, custa cerca de 8 euros. Assim, com cerca de 100 euros, podemos alimentar um refugiado Karen por um ano, sem contar com suplementos de ferro ou vitaminas.

Os povos ocidentais estão ao corrente do que se passa mas persistem em olhar para o lado. Porquê?
Os povos ocidentais ouvem apenas as sirenes do consumismo e estão um pouco "distraídos". Os seus governos obedecem à lógica mundialista. O sofrimento humano não entra nos parâmetros dessa lógica. O peso do povo Karen é insignificante para eles, já que não tem qualquer valor comercial. Existem dezenas de situações semelhantes em todo o mundo. Falo frequentemente no exemplo do Kosovo. A Europa viu-se a impor uma guerra que favoreceu a criação de um Estado mafioso, favorecendo o tráfico de droga e recebendo ordens de Washington.


Do vosso ponto de vista, será possível encontrar um dia uma resolução pacífica para este conflito?
Prever o que acontecerá na Birmânia é difícil. Existem muitos intervenientes implicados nesta situação. Que fará a China no futuro, país que é actualmente o principal patrocinador de Rangoon? Que farão as multinacionais (sobretudo a Chevron e a Total) que pilham os recursos do país e financiam os generais? Que farão os países que vendem armas e fornecem instrutores militares como Israel, Austrália, Singapura ou Índia? E os Estados Unidos, que já perceberam que as sanções sobre Rangoon não são uma boa estratégia sobretudo quando se trata de investir no país? Pessoalmente, acredito que no futuro assistiremos a uma erupção democrática no país, mas apenas na condição de os investidores terem garantias suficientes para apoiar o projecto. Não estou certo se mudará grande coisa para as etnias minoritárias, que continuarão a ser um fardo embaraçoso para os responsáveis do país.

E quem estiver interessado em ajudar, o que poderá fazer?

Para nos contactar, o mais simples é usarem o nosso endereço electrónico [info@comunitapopoli.]. Temos necessidade de doações. Se alguem quiser organizar uma recolha de fundos através de outras actividades, ficaremos bastante reconhecidos. Devo precisar que nenhum membro da associação Popoli recebe dinheiro e que 100% das doações são encaminhadas para os Karen.

Algumas palavras em jeito de conclusão...
Como disse, os Karens têm numerosas necessidades. Procuramos ajudar um grupo de gente que fez a escolha de lutar pela sua liberdade sem compromissos. Somos claros, se os Karens tivessem escolhido a via do tráfico de droga, não teriam necessidade da nossa ajuda. Se renunciassem à sua dignidade, não precisariam de nós. Se tivessem escolhido a via da emigração para países ricos, não teriam necessidade de nós. Eles escolheram bater-se para sobreviver enquanto povo. É por isso que os ajudamos e que precisamos do vosso apoio.

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