domingo, 18 de maio de 2008

Hoje em dia

Dir-se-ia que isto de fazer prova de se ser uma pessoa do seu tempo e muito moderna é, inequivocamente, algo de muito positivo, pois que é progressista e constitui o repúdio de tudo o que é passadista e reaccionário, e portanto “mau”. E além do mais vemo-lo por todo o lado, na televisão (e como sabemos, se aparece na televisão…), no parlamento, no emprego, no restaurante, no bar, na rua, ser “moderno”, ser um “homem – ou mulher – do seu tempo” é que é digno de todos os encómios…

Quando se discute algo, dizer que “hoje em dia as coisas são assim”, que “os tempos mudaram”, que é “preciso compreender a evolução da sociedade”, que “o outro é retrógrado”, constitui, pelo menos no íntimo de quem o diz, um verdadeiro xeque-mate no debate. Ironicamente, isso também só sucede “hoje em dia”, porque antes de “hoje em dia”, no tal passado reaccionário e obscurantista, que já se perde na memória, ninguém conseguiria pensar em ganhar qualquer debate, ou constranger um adversário ideológico, com o argumento da contemporaneidade da sua posição. Não! Interessaria antes saber da validade, da essência dessa posição, e o que é paradoxal é que quanto menos essa posição fosse de “hoje em dia” (ou melhor, de “então em dia”) maior a probabilidade de se considerar que a sua intemporalidade se pudesse dever à sua validade intrínseca, permitindo-a atravessar as épocas.

Mas “hoje em dia” não! Porque o “hoje em dia” é o tempo da grande vitória da doutrina do progresso, que interpreta a humanidade, os valores e a História como uma evolução linear em permanente e gradual aperfeiçoamento. Daqui resulta que “hoje em dia” tenhamos, com certeza absoluta, chegado a um estádio filosófico e moral superior ao dos nossos antepassados, em boa verdade estranhas criaturas mal balbuciantes, supersticiosas e preconceituosas. De Platão e Aristóteles a Marx e Adam Smith, uma incontestável ascensão!

A verdade é que ser acusado de retrógrado é muito grave. Retrógrado é um palavrão muito feio para as “pessoas do seu tempo”; pode incidir sobre elas a suspeita de muitas coisas: promiscuidade, corrupção, aldrabice, egoísmo, cobardia, ignorância, porque, apesar de tudo, se se souberem comportar conseguem usar o título com uma certa respeitabilidade contemporânea, agora retrógrado é que não, porque aí não há volta a dar, esses nunca poderão ser modernos!

Rodrigo N.P.

1 comentário:

Anónimo disse...

Veja-se um exemplo de entre milhões no texto abaixo. Reparem na frase «a derradeira prova da abertura de espírito dos deputados (...)»:
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1329315&idCanal=13