sábado, 7 de junho de 2008

A Revolução contra a Contra-Revolução

De cada vez que a intelectualidade direitista contra-revolucionária se põe a reflectir sobre a direita, o que o termo significa e como agir politicamente em coerência, seja no quadro partidário ou cultural, podemos estar seguros de que pelo menos uma coisa acontecerá: o nacionalismo será trazido para a conversa.

Ora, o facto em si, a nós que nos consideramos parte da “área nacional”, não sendo agradável, também não é estranho: já ouvimos gente de praticamente todos os quadrantes políticos dizer-se, em dado momento, nacionalista. Partindo daí, poder-se-ia pensar que o facto da direita messiânica aparecer também no pagode não faria grande diferença nem seria de levar muito a sério…

No fundo, a explicação para isso é simples. Trata-se de um problema de entendimento do conceito, em primeiro lugar, e da hierarquização que dele se faz na escala política, em segundo lugar.

Quero eu com isto dizer que aquilo a que a maior parte daquelas pessoas chama nacionalismo, não o é! Eles estão-se a referir, isso sim, a um sentimento de preferência e afeição pelo Estado onde nasceram, que é um sentimento natural e comum à maioria das pessoas. Mas Estado e Nação são dois conceitos distintos – o primeiro de substância jurídica ou contratual, o segundo de substância histórica e étnica – e quem não compreende as implicações profundas dessa diferença não podemos, pura e simplesmente, considerar nacionalista.

Ora, posto isto, há de facto uma diferença entre aquelas declarações que ocasionalmente ouvimos a pessoas das mais diferentes sensibilidades políticas e as que provêm daquela direita a quem o Ancien Régime enche as medidas ou, pelo menos, é simpático.

Uns como outros têm um entendimento incorrecto do conceito de Nação e, curiosamente, uns como outros têm significativas dificuldades em distinguir entre a Nação real e aquilo que o Estado – ou o Rei – agrega, mesmo se a isso chamam depois nação.

A diferença é que enquanto nuns esse sentimento a que eles por vezes chamam nacionalismo não é mais que a espontânea e vulgaríssima expressão de afeição pelo seu Estado/País, sem que daí se retirem verdadeiramente implicações políticas, nos outros a interpretação errada do conceito acaba por ter muitas vezes um papel importante no seu próprio projecto político. Ou seja, nuns trata-se de uma afirmação de ocasião, meramente acessória na hierarquia das outras crenças, e sem implicações políticas para a sua visão da sociedade, naquela direita trata-se de uma ideia com relevância para a actuação política e por vezes chega mesmo a defini-la, intervalando com afirmações de conservadorismo ou tradicionalismo. Portanto, se nos primeiros a confusão não nos desperta mais que relativa indiferença, porque não se cruzam connosco, nos segundos aquela deturpação, pelo papel hierárquico que lhe entregam para desempenhar, acaba por cruzar o nosso caminho, minando-o.

Daqui resulta que, ao contrário do que certamente preferiríamos, é preciso, de facto, disparar também dentro da trincheira em que nos encontramos. É que a nossa trincheira não foi exactamente escolhida por nós – nem pelos outros que cá estão, aliás – foi onde, por força de circunstâncias várias, viemos todos parar, e agora encontramo-nos a partilhar o espaço com quem se orienta por uma “linguagem” antagónica à nossa. Dando aos conceitos um outro sentido, o seu projecto é negação do que fomos, somos e do que pretendemos vir a ser (para usar uma reminiscência heideggeriana).

Ora, o caso é tanto mais interessante quanto na nossa trincheira teriam lugar, com muito mais propriedade, homens e mulheres de quem a aceitação da “linguagem” que triunfou na História, com os seus conceitos, as suas relações de proximidade e distanciamento, as suas direitas e esquerdas, os seus centros e extremos, nos afastou.

Mas essa “linguagem” só faz sentido a partir de um princípio ordenador.

O princípio que é preciso romper, e de onde provém essa “linguagem”, com as suas lógicas de afinidade e oposição, as suas direitas e esquerdas, os seus centros e extremos, é o do indivíduo universal a percorrer uma temporalidade que deverá findar na sua salvação (a salvação num outro mundo, neste mundo pela igualdade entre iguais ou neste mundo pela liberdade entre os livres, conforme esse princípio seja interpretado por cristãos, marxistas ou liberais, respectivamente).

Contra isso a “área nacional” deverá afirmar o seu homem concreto, livre das abstracções universalistas, numa História em permanente abertura. Daí decorre naturalmente uma outra “linguagem” que permitirá ultrapassar as divergências e convergências que não lhe pertencem, chamar-se-ão os soldados desavindos e identificar-se-á o “estrangeiro na trincheira”!

Rodrigo N.P.
bf_europa@yahoo.com

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