sábado, 15 de novembro de 2008

Ainda Piazza Navona...

Praça Navona e arredores…

Ou seja: há diferentes maneiras de se comportar
Dando uma volta pela internet e recolhendo os comentários acerca dos acontecimentos da Praça Navona e das contestações pacíficas às listas de proscrição de “Chi l’ha visto?” [“Quem o viu?”, um programa televisivo], reparei que o debate relevante concentrou-se no verdadeiro tema/cerne “dos modelos comportamentais”: os jovens do Blocco Studentesco e da CasaPound procederam bem ao fazer o que fizeram?
O paradoxo das respostas é que entre os “neo-esquerdistas reaccionários” e os “neo-direitistas reaccionários” verifica-se uma plena convergência de visões e de resultados.

Neo-direitistas reaccionários e modelo “gandhiano”
Os “neo-direitistas reaccionários”, anti-comunistas, reclamam que nunca se deve participar nas manifestações estudantis hegemonizadas pela esquerda, que não deve existir qualquer contaminação direita-esquerda, que nunca se deve contestar, daquela forma, o governo constitucional, que é preciso permanecer fora das lutas sociais contra Berlusconi e principalmente que, em caso de provocação evidente, deve aceitar-se a agressão para logo depois se dirigir aos jornalistas e à polícia.
Este modelo comportamental foi inaugurado, no princípio dos anos 90, pelo último FdG [Fronte della Gioventù] romano/rautiano de Alemanno, de Rampelli e da Angelilli. Desde então, os jovens frentistas preferiram, em cada ocasião, suportar passivamente agressões, ser espancados, afugentados, publicamente humilhados, de maneira a demonstrar que “os verdadeiros fascistas” eram os dos Centros Sociais [ocupas da extrema-esquerda].
Este modelo comportamental gerou, durante anos a fio, como consequência inevitável e paradoxal, uma nova agudização do mito da militância anti-comunista (de facto desaparecido até ao fim da década de 80), principalmente entre as franjas juvenis da direita extra-parlamentar e numa altura em que o comunismo estava historicamente esgotado. Assim, graças aos fenómenos pré-políticos surgidos em Inglaterra, nasceu no princípio dos anos 90 [em Itália], a exacta caricatura daquilo que a esquerda já não conseguia inventar desde há muito tempo: um skinhead anti-comunista estúpido, violento e de cabeça rapada que, à lupa, se torna um titã imparável.
Bom, temos mesmo que agradecer ao modelo gandhiano, desmilitarizado e passivo dos Rampelli e dos Alemanno, que provocou o outro modelo comportamental: o do militante extremista, tonto e caricatural, que provocou estragos inenarráveis.
Este modelo comportamental gandhiano contribuiu para anular progressivamente a capacidade de presença da recém-nascida Azione Giovani (epígono directo de um Fronte della Gioventù desvitalizado), que foi relegada, pelo aparelho do partido, para um papel militante absolutamente marginal, desmobilizante, que, além de mais, a nível de comunicação, nunca teve resultados nem bons nem maus: sobretudo eliminou completamente a possibilidade de acção por parte da Azione Giovani em contextos transversais, líquidos, neutros e pós-ideológicos, onde pelo contrário, a esquerda radical continuou a ter a sua hegemonia.
Os new-global sabiam que em momentos críticos, os meninos de Azione Giovani teriam aceite “gandhianamente” as pancadas e depois ter-se-ia jogado tudo no plano da “comunicação” jornalística.
Vimos também o que este “modelo anti-interventista” produziu em termos de transformismo dentro das classes dirigentes juvenis “da direita” e, principalmente, as prejudiciais consequências metapolíticas (o passo de ganso).

A auto-limitação cavalheiresca
Há alguém que tentou substituir alternativamente ao gandhismo “de cócoras”, o tema da “auto-limitação cavalheiresca” em caso de momentos extremamente críticos.
Na Praça Navona era preciso auto-limitar-se e, como cavalheiros, retirar-se in extremis. Ou seja, uma etiqueta diferente e mais ponderada do “momento crítico”. Dito assim, parece fácil. Outra coisa é estar lá, na primeira pessoa, tendo à sua frente personagens que exprimem, como sempre, o seu “não-cavalheiresco” preconceito. Mas todos vimos que o problema, mesmo que abordado em termos de “auto-limitação cavalheiresca”, teria igualmente falhado. Para propor, pois, uma “auto-limitação cavalheiresca” é preciso que do outro lado existam outro tantos cavalheiros, conscientes das regras da cavalheirismo e não indivíduos decididos, como sempre, a fazer cair todas as regras.
É preciso ter em conta que o que empurrou o Blocco ao “modelo comportamental defensivo específico” da Praça Navona não tem a sua origem no fantasma do anti-comunismo militante, como muitos de má-fé querem fazer crer, mas exactamente no oposto: a procura e a necessidade histórica de ultrapassar ideologias e preconceitos que alguns velhotes bolorentos, em nome do seu legado tardo-resistencial, ainda teimam em não abandonar.

Beijos e abraços entre fascistas e comunas… estamos a brincar ou quê?
Os neo-esquerdistas reaccionários, que desempenham com gosto o papel dos últimos reaccionários, contestam por sua vez que os rapazes do Blocco não têm legitimidade para qualquer luta social. Um fascista dos subúrbios, um violento, não pode participar a nenhuma luta reformista, não deve apresentar-se com uma própria especificidade de ideias, de look, de
atitudes, de imagem, mas tem que regressar silenciosamente e anonimamente ao habitual esquema hegemonizado; cada contestação deve ser, por defeito, de esquerda e principalmente antifascista. Ou seja, por outras palavras: se queres contestar o decreto-Gelmini [decreto-lei da reforma do ensino] deves ser, antes de mais nada, antifascista!!! De outra forma não pertences ao movimento dos estudantes, que são à partida, por definição, antifascistas.
Também aqui é contestado o modelo comportamental do Blocco e a sua não-maleabilidade, a sua não-liquefação, o seu não-anonimato, a sua capacidade de destacar-se pelos temas, slogans, imagens, look e pela presença. Este é a verdadeira razão que fez subir o sangue à cabeça aos new-global, que se sentiram em termos “sociológicos” paradoxalmente ultrapassados “à esquerda”.
«Como é possível – devem ter dito – que hoje os fascistas e os ultras dos subúrbios consigam impor na imprensa, até com a utilização desinibida das tecnologias, uma especificidade mais emergente que a nossa, do ponto de vista qualitativo e quantitativo?»
Na verdade, quem deu relevo à presença dos jovens antagonistas “fascistas” (Blocco Studentesco, Lotta Studentesca, etc, etc.) foram mesmo os jornais e a imprensa de esquerda, que apresentaram o protesto em chave bipartisan ao decreto-Gelmini, como sendo espontâneo, natural e não dirigida por eles.
O problema criou-se quando o mesmo Partido Democrático [PD, centro-esquerda] e os cães-de-guarda dos Centros Sociais, que nos bairros da periferia já não controlam a situação, viram que o Blocco em Roma estava em condição de hegemonizar o protesto e que, para os meninos da esquerda-baby e incolor, tornava-se normal e natural abraçar um seu companheiro do Blocco em plena manifestação partilhada. Ou seja: beijos e abraços entre comunas e fascistas? Mas que é isso? Apriti cielo!

Esperaram pelo dia 29 de Outubro para uma reviravolta em plena regra e apostaram tudo para constringir novamente - no “imaginário colectivo do Cativeiro” - os rapazes do Blocco naquele modelo comportamental clássico dos “fascistas violentos, infiltrados pela polícia, para destruir o espontâneo movimento estudantil”.
Para este fim, tinham-se preparados há dias. Correu-lhe muito mal, porque no plano da comunicação e da agilidade, foi um empate, apesar da utilização maciça das tropas auxiliarias dos jornalistas coniventes por um lado e das falanges ultra-quarentonas por outro (o serviço de ordem do partido da Rifondazione Comunista que até pediu dias de folga nos empregos para esta acção cavalheiresca). Para além disso, os jornalistas achavam que teria sido muito fácil compilar publicamente, como nos anos 70, as listas de proscrição a partir da TV pública, aterrorizar, criar o pânico, e, com certeza, não estavam à espera de uma incursão pacífico mas determinada e colorida, como a realizada pela Casa Pound na sede da RAI.

Os rapazes já não obedecem
Isso quer dizer que tanto na esquerda como na direita dão-se conta que “os rapazes já não obedecem” às regras do jogo e querem destruir os esquemas reconstituídos; rapazes que recuperaram completamente um modelo “à 1919”, inconformista, situacionista, futurista, astuto, veloz, desestruturado, perfeitamente em linha com a velocidade da comunicação, sempre pronto militarmente e a modular a resposta adequada à reacção vermelha; sem exagerar ou cair no lado do culpado, mas sem recuar nem sequer meio centímetro.
Este facto a enlouquecer muitos: os velhos trombudos antifascistas de esquerda que não estavam à espera duma tão grande mutação antropológica do clássico rapaz fascista e que logo notaram como estão a mudar as regras do confronto; mas também os “novos antifascistas reaccionários de direita” que ao longo de anos trabalharam para desmobilizar o modelo comportamental activista, afastando lentamente os rapazes das praças partilhadas, após ter eliminado culturalmente aquele instinto são, primordial, espartano, alegre, da defesa activa, verdadeira linfa antropológica, verdadeiro modelo comportamental não absorvível, homogeneizado e/ou liquefeito.
Modelo comportamental com o qual, a partir de hoje, todos, e digo todos, terão que acertar contas.

Francesco Mancinelli
in Il Fondo Magazine