quinta-feira, 6 de novembro de 2008

"A sua esterilidade assusta-me menos que o seu indiferentismo"

"O Daily Telegraph já discutiu em artigo de fundo este problema: se seria possível sondar a espessura da ignorância lusitana! Tais observações, além de descorteses, são decerto perversas. Mas a verdade é que numa época tão intelectual, tão crítica, tão científica como a nossa, não se ganha a admiração universal, ou se seja nação ou indivíduo, só com ter propósito nas ruas, pagar lealmente ao padeiro, e obedecer, de fronte curva, aos editais do Governo Civil. São qualidades excelentes mas insuficientes. Requer-se mais: requer-se forte cultura, a fecunda elevação de espírito, a fina educação do gosto, a base científica e a ponta de ideal que em França, na Inglaterra, na Alemanha, inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e nas nações de faculdades menos criadoras, na pequena Holanda ou na pequena Suécia, produzem esse conjunto eminente de sábias instituições, que são, na ordem social, a realização das formas superiores do pensamento.
Dir-me-ão que eu sou absurdo ao ponto de querer que haja um Dante em cada paróquia, e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos. Bom Deus, não! Eu não reclamo que o país escreva livros, ou que faça artes: contentar-me-ia que lesse os livros que já estão escritos, e que se interessasse pelas artes que já estão criadas. A sua esterilidade assusta-me menos que o seu indiferentismo. O doloroso espectáculo é vê-lo jazer no marasmo, sem vida intelectual, alheio a toda a ideia nova, hostil a toda a originalidade, crasso e mazorro, amuado ao seu canto, com os pés ao sol, o cigarro nos dedos e a boca às moscas... É isto o que punge."

Eça de Queirós
in "Cartas de Inglaterra"

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