"Alguns escritores deviam ser literalmente venerados pela sua capacidade crítica e analítica da actual sociedade. Um destes é o mítico Guy Debord, que no livro «A Sociedade do Espectáculo» aponta tudo o que é desprezável no mundo actual: a representação, a aparência, o irrealismo, a falsificação, que são a vida quotidiana de todos nós.
Inicialmente Debord distingue apenas duas tipologias do espectáculo ligadas a dois diferentes sistemas políticos: «O espectáculo concentrado» típico das sociedades totalitárias e ditatoriais, no qual em geral o indivíduo é levado a identificar-se com um só homem, através de uma ditadura burocrática que priva as massas da escolha e «O espectáculo difuso» característico das democracias ocidentais, permeadas pelo consumismo e pela tirania do consumo.
Junta-se a estes um terceiro tipo, que parece muito mais próximo da actual realidade: «O espectáculo integrado», no qual a ficção prevalece sobre a realidade, a cópia sobre o original e a forma sobre o conteúdo.
Segundo Debord já não há nada de autêntico, sendo que tudo está concebido, produzido, vivido e move-se em função da imagem que deve atrair quem vê, que, por sua vez, faz isso obedecendo a outras necessidades ou pedidos de aparência. Esta é a sociedade do espectáculo e nela também as mais elementares expressões da vida do homem como por exemplo a família, a instrução, o trabalho, os sentimentos, os pensamentos, as aspirações, seguem uma direcção única, aquela de se conformar ao meio, ao costume, à moda, à tendência do momento suprimindo qualquer necessidade ou chamamento interior, qualquer autenticidade e verdade. O exterior vale sempre mais do que o interior: tudo deve necessariamente aparecer, como se se tratasse apenas de objectos.
E quanto mais tempo passa, mais a análise de Debord se revela correcta. Basta olhar a actual política: em todo o Ocidente, existem dois blocos falsamente antitéticos, mas na realidade parentes estritos, as actuais direitas e esquerdas diferenciam-se entre elas apenas por alguns detalhes insignificantes. Já não há ninguém que se faça portador de ideias fortes e de visões completas do mundo que permitam mudá-lo e melhorá-lo. Muito menos prosaicamente, todos se afanam na administração de baixo nível, apenas para poder garantir ordenados chorudos e privilégios de casta. E os poucos que tentam opor-se a tudo isso, fazem-no repropondo infantilmente e de maneira acrítica e grotesca ideias que pertencem inexoravelmente aos tempos passados!
Tinha portanto razão Fukuyama no longínquo 1992 quando, após a queda do muro de Berlim, falava do «fim da história»? Nós, que somos optimistas por natureza e continuamos, apesar de tudo, a acreditar nas enormes potencialidades do homem, achamos que não. Como sempre, do negativo é possível também extrair o positivo, tornando fármaco o que parece ser apenas veneno. Impuseram-nos um mundo de espectáculo. Então utilizemos as actuais e modernas formas de propaganda, que nos consentem difundir a nossa mensagem a um público potencial de enorme quantidade, para lançar o nosso grito de revolta. Ocupemos todos os espaços oferecidos pela Rede, executemos acções espectaculares das quais a TV será obrigada a falar, utilizemos os mesmos mecanismos do Inimigo para o contrastar, criando um verdadeiro pânico mediático. Em poucas palavras: RETOMEMOS TUDO! "
Alessandro Cavallini
in Il Fondo Magazine
quarta-feira, 15 de abril de 2009
Tributo a Guy Debord
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Guy Debord,
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2 comentários:
Novidade das Edições Réquila: "Espiritualidade Pagã na Idade Média Católica"
edicoesrequila.blogspot.com
Bravo!! Os meus parabéns.
Afinal, Mussolini também foi socialista (esta não é para rir, 'ó Zé Cabra...!!'):
"(...)E quanto mais tempo passa, mais a análise de Debord se revela correcta. Basta olhar a actual política: em todo o Ocidente, existem dois blocos falsamente antitéticos, mas na realidade parentes estritos, as actuais direitas e esquerdas diferenciam-se entre elas apenas por alguns detalhes insignificantes. Já não há ninguém que se faça portador de ideias fortes e de visões completas do mundo que permitam mudá-lo e melhorá-lo. Muito menos prosaicamente, todos se afanam na administração de baixo nível, apenas para poder garantir ordenados chorudos e privilégios de casta. E os poucos que tentam opor-se a tudo isso, fazem-no repropondo infantilmente e de maneira acrítica e grotesca ideias que pertencem inexoravelmente aos tempos passados.(...)", diz Guy Debord.
Dado ser um Gramscista de Direita, até esperava mais (ou menos...).
Daí enviar-vos uns links, não vá dar-se o caso de se terem enganado, a propósito da Internacional Situacionista...
Aqui ficam eles: É o
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp176.asp (da Paola Berenstein Jacques); tal como a entrada sobre Guy Debord na Wikipédia (i.e., http://pt.wikipedia.org/wiki/Guy_Debord) e a tradução (brasileira) de «O Declínio e Queda da Economia Espectacular-Mercantil» (texto de Debord sobre o Motim de Watts, em Los Angeles, em 1965:
http://www.centopeia.net/traducoes/157/Leonardo_D%E2%80%99Avila_%7C_Rodrigo_Lopes_de_Barros_/O_DECL%C3%8DNIO_E_A_QUEDA_DA_ECONOMIA_ESPETACULARMERCANTIL_1/1.
Só que, dizem-me, há mais:
- http://www.geocities.com/jneves_2000/miseriaestudantil.htm;
- http://www.geocities.com/jneves_2000/debord.htm (é a «A Sociedade do Espectáculo», de 1967, junto com outros escritos e textos de Guy Debord;
- e o «Panegírico», de 1984, que podem encontrar facilmente em:http://www.geocities.com/jneves_2000/panegirico.htm.
E segue-se mais Bibliografia:
Internacional Situacionista- Antologia, Antígona, Lisboa, 1997.
Los incontrolados [Crónica de la españa selvaje 1976-1981], Editorial Klinamen/Biblioteca Social Hermanos Quero, s.l., 2004.
Potlach (1954-57) – O boletim da Internacional Letrista, Fenda, Lisboa, 2007.
Debord, Guy, A sociedade do Espectáculo, Mobilis in Mobile, Lisboa, 1991.
Debord, Guy, Commmentaires sul la societé du spectacle, Paris, 1992.
Debord, Guy, Panegírico, Antígona, Lisboa, 1995.
Debord, Guy, Relatório sobre a construção de situações, Farândola, Paris, 1999.
Ferreira, António, A queda do fascismo, Editorial Chão, Lisboa, 1999.
Jappe, Anselm, Guy Debord, Antígona, Lisboa, 2008.
Lukács, Georg, Histoire et conscience de classe, Les Editions de Minuit, Paris, 1960.
Marcus, Greil, Marcas de baton: uma história secreta do século XX, Frenesi, Lisboa, 2000.
Semprun, Jaime, A guerra social em Portugal, Moraes Editores, Lisboa, 1976.
Vaneigen, Raoul, Banalidades de base, Frenesi, Lisboa, 1988.
Viénet, Réné, Enragés et situtionnistes dans le mouvement d’occupations, Gallimard, Paris, 1998.
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