"Em lugar do pequeno maquiavelismo, do jogo da alta-baixa política, preferimos a irredutibilidade dos que querem permanecer na honra, iguais a si mesmos e ao que os ultrapassa, ao que foi timbre e herança do passado e que cumpre transmitir ao futuro; como depositários, guardando as sementes e, na medida total das nossas capacidades, deitando-as à terra que laborarmos.
Afirmamos ainda que esta atitude de idealismo e de pretenso "irrealismo" tem uma função vital e decisiva na construção da realidade (que não se limita a mero dado), assumindo, pois, um carácter também realista.
Não nos remetemos à condição de resignados. Não nos curvamos ao jugo e à desculpa duma condenação. Acompanhando e confirmando a declaração de outros, não julgamos ser apenas os últimos de hoje; "afrontosamente", sustentamos ser os primeiros de amanhã.
As nossas recusas provêm do irrecusável, da aceitação de responsabilidades incómodas. As nossas rejeições traduzem um modo de assumir. Dizemos não, pelo imperativo sim a que estamos ligados. Não nos movemos no indiferentismo, nem com a interesseira prudência, nem por simples negativismo, mas sim na vivência da profunda afirmação."
Goulart Nogueira
domingo, 6 de dezembro de 2009
Permanecer para criar
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Retomar D. Sebastião
"Um Portugal renunciando às linhas geratrizes que o criaram e lhe deram o modo de ser, um Portugal mudando de alma, de espírito, já não será Portugal. Todos os que subscrevem essa orientação diferente arrastam um suposto corpo da Pátria que de Portugal mantém, apenas, o nome. Mas, para além da demissão e da mascarada, existem os que permanecem fiéis ao mesmo sentido, ao mesmo desígnio, à mesma tessitura de sonho (o prodigioso e, no entanto, autêntico consórcio de saudosismo e sebastianismo que leva aos ressurgimentos de restaurações). Deus quer, o homem sonha, a obra nasce (F. Pessoa). O impossível dos incrédulos tornar-se-à realidade. Como tarefa primordial, porém, há que expurgar do corpo da Pátria aqueles que a negaram. Nesse empreendimento, um papel decisivo cabe aos não conspurcados, aos jovens iniciadores. Afonso Henriques tem 28 anos quando proclama a independência de Portugal. D. Sebastião tem 24 anos, quando morre, valorosamente, a batalhar em Alcácer Kibir, hasteando o acicate de Camões."
Goulart Nogueira
in Jornal Acção – n.º3.
domingo, 28 de junho de 2009
Unidade na Acção
"É tempo de vencermos este inimigo interno. Ultrapassemos as nossas divisões. Esqueçamos velhas ofensas. Apaguemos motivos de discórdia. Somos diferentes por temperamento, por estilos, por gostos. Temos defeitos, uns mais, outros menos, uns estes, outros aqueles. Somos humanos, também nas nossas fraquezas e nos nossos erros. Não nos atiremos pedras, mutuamente, e, mesmo que cada qual se julgue melhor, saiba, por generosidade, por compreensão, por sacrifício à utilidade geral, perdoar e calar e esquecer. Não transformemos em ódios sectários as nossas querelas pessoais e os nossos motivos privados, não os carreguemos de forças ideológicas; porque nascem, às vezes, oposições doutrinárias exactamente dessas lutas entre indivíduos ou entre grupos, na exploração especulativa de uma justificação.
(...) Neste momento, lançamos um apelo, e desejaríamos que fosse como um toque de clarim. Chamamos todos a uma colaboração unívoca, a um serviço convergente, na medida das forças, méritos e especialidades de cada um. Seja este jornal um ponto de encontro e um revigorador de energias, possa esclarecer e informar, dinamizar esforços e conduzir a luta. Apuremos a vigilância, acendamos o entusiasmo, mantenhamo-nos juvenilmente vigorosos e criadores, pela autocrítica às deficiências e pela renovação constante. Contra a rotina, contra o acomodamento, contra o desânimo, contra a tecnocracia e o burocratismo, contra a transigência, contra o amen-amen e os penachos e o divisionismo, — saibamos erguer-nos e fazer verdade esta condição de vida: a Revolução Continua!"
Goulart Nogueira
in "Agora", n.º 319, 26.08.1967
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Juventude
«A garantia de vida é a renovação. A juventude revigora, mantém a actividade, impele ao descobrimento, ao avanço, ao entusiasmo e ao idealismo. A juventude é como respiração saudável, é confiança e alegria. Quando um organismo está prestes a parar, quando as células vão envelhecer e mirrar-se, quando as pessoas estão cansadas ou descrentes ou lhes apetece retirarem-se para gozar em sossego, quando as inteligências se tornam hipercríticas ou calculistas, então a juventude rompe toda essa bola de banha e levanta o seu grito insubmisso.
A juventude é, no presente, a afirmação do futuro e só por meio dela o passado pode achar vida, acção, alma. Cada época tem de ter a intervenção da juventude, ou, de contrário, o passado e o presente morrerão, submergidos no caos triunfante sobre o que se tornou antiquado e ronceiro. A juventude é a renovação, é a garantia de vida.
Cada geração tem, indispensavelmente, a sua hora. Cultivar a juventude e dar-lhe o lugar e a oportunidade — eis a sabedoria dos velhos, a virtude dos prudentes, a vitória dos sábios.
E o que é juventude? Sempre e sempre é dedicação e vanguardismo, ideal e intransigência, saúde e claridade, fé e luta, irreverência e capacidade de sacrifício, camaradagem e iniciação.
Quem não pensa na juventude, e não entende a juventude, e não se torna jovem — morre, e merece morrer. Implacável, a juventude rebenta o lajedo, os jazigos e os bolores, quebra os vernizes e as máscaras, dispara o seu indómito caminho, com esta ou com aquela cor.»
Goulart Nogueira
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Viva a Morte!
"Recusai-vos! Por regra, não acrediteis nos que estão vivos. Eles souberam adaptar-se ou aceitar a mediania e a fraqueza; tornaram-se homens maduros ou chegaram à idade viril, no meio de uma sociedade apodrecida ou eunuca; eles pensam em movimentos e forças económicas, nas habilidades para ser aceites ou nos lugares que vão ocupar. Recusai-vos a tudo isso. Escolhei os que se tornaram jovens, vivos, eternos, pela morte. Escolhei os que foram assassinados ou morreram nas diversas formas de combate, dando testemunho da vida. Escolhei o caminho difícil e insubmisso contra esta maioria que detém os poderes do dinheiro, da propaganda, dos estados gigantescos e dos partidos às claras ou ocultos, mas todos eles subsidiados largamente e beneficiados pela corrente opinião fabricada. Tudo isso, de um ou outro lado, faz acenos e alicia os jovens. É tão fácil! Mas não! Que firme e ardente alegria nos pode encher a alma e erguê-la, mesmo que seja alegria amassada e transmutada com lágrimas, raiva, derrotas, solidão, cansaço, melancolia! Que consciência de sermos fortes, no íntimo de cada um, de nos termos conquistado essa força, oh!, quanta insolência e heroicidade e orgulho, afirmados, simplesmente, com a simplicidade dos que se fizeram livres pelo espírito! Recusai-vos aos vivos, esses gordamente faladores de economia ou de nacionalismo de trazer por casa, recusai-vos aos moderados e aos instalados, aos pescadores de águas-turvas, que com voz grave e bem-falante discorrem em favor da «liberdade». Escolhei os que na morte irradiam vida, pois estes morrem por vós."
Goulart Nogueira
in "Tempo Presente", n.º 11, Março de 1960.